Gestalt-terapia

Psicopatologia - Mecanismos de Defesa na Gestalt-terapia

por Graça Gouvêa

Na Gestalt-terapia o homem é visto como potencialmente saudável. Assim sendo, aquilo que se entende usualmente por mecanismos de defesa neuróticos, o Gestalt-terapeuta  compreende como formas de evitação do contato. E isto não significa apenas uma mudança de nomenclatura. A evitação de contato pode ser saudável ou patológica, conforme “sua intensidade, sua maleabilidade, o momento em que intervêm e, de uma maneira mais geral, sua oportunidade.” (GINGER e GINGER, 1995).

A ação do Gestalt-terapeuta não deve objetivar atacar, vencer ou superar as resistências quando o cliente está evitando o contato, mas, principalmente, torná-las mais conscientes ou figurais, favorecendo ao cliente realizar uma atualização ou revisão em suas crenças (introjeções) e nos hábitos correlatos a estas crenças. Hábitos estes entendidos na Gestalt-terapia como uma verdadeira fisiologia secundária (PERLS, HEFFERLINE, GOODMAN, 1997) que tendem a manter um padrão recorrente de escolhas e atitudes.

Um mecanismo de defesa por si só não é bom nem ruim. O uso que o cliente faz dele, o seu funcionamento, é o que caracteriza sua "patologia". Os mecanismos mais citados pelos diferentes autores da Gestalt-terapia são:

  1. Confluência (Perls) - É um estado de não-contato, ou um momento pré-contato. Mantida  ausência de fronteira de contato. O self (si mesmo) não pode ser identificado, ausência de discriminação eu/meio; eu/outro.
  2. Introjeção (Perls) - Significa a incorporação de elementos do meio, de ideias a sentimentos, relações, valores etc. Não confundir com o conceito de introjeção da Psicanálise, pois no conceito de Perls há a implicação de um elemento que não foi assimilado. Processos de identificação com ambiente são a forma de constituição de identidade, mas a introjeção é patológica quando não permite a assimilação.
  3. Projeção (Perls) - Significa atribuir ao meio elementos fantasiados pelo próprio indivíduo. Para Perls, há aqui um deslocamento da responsabilidade do indivíduo para o meio. A projeção não patológica é o que permite, por exemplo, a empatia entre os indivíduos.
  4. Retroflexão (Perls) - Consiste em voltar para si mesmo a energia mobilizada para o contato, e fazer a si aquilo que gostaria de fazer aos outros ou no mundo ou ainda que os outros lhe fizessem. São exemplos de retroflexão (tanto patológica como saudável): morder os dentes ou cerrar os punhos para não agredir; o sadismo e o masoquismo; a fala mental etc.
  5. Deflexão (Polster) - Permite evitar o contato direto, desviando a energia de seu objeto primitivo. São exemplos: desviar o olhar; "falar sobre"; usar termos técnicos etc.
  6. Proflexão (Sylvia Croker) - Uma combinação de projeção e retroflexão, consiste em fazer ao outro aquilo que gostaríamos que o outro nos fizesse.
  7. Egotismo (Goodman) - Consiste em um reforço deliberado nas fronteiras de contato, devido a um reinvestimento de energia no ego, uma hipertrofia narcísica; pode ser uma etapa do processo terapêutico, mas enquanto um estado crônico se torna uma patologia. É um estado reforçado numa cultura hiper narcísica como a atual.

Em resumo, quanto a organização do funcionamento neurótico do ponto de vista da Gestalt-terapia, para Perls e Goodman:

  • Num ciclo de necessidades interrompidas ou Gestalten inacabadas, o organismo se repete na busca de completar o que está inacabado ou interrompido, a fim de fechar a Gestalt, mantendo um padrão de relação com o mundo que é fixado por uma fisiologia secundária (padrões de hábito).
  • O self na condição neurótica está vivendo uma interrupção na capacidade de promover o ajustamento criativo ao ambiente de forma atualizada.
  • O self se organiza através de três funções, que são aspectos temporais no processo de contato: função id (intencionalidade, fundo organismo-ambiente); função ego (escolha ativa, funções de contato, percepção e motricidade); função personalidade (identidade, narrativas, autoimagem). Um sintoma sintetiza a resolução mais criativa que o organismo pode alcançar naquele momento entre estes diferentes níveis de organização do self.

A Gestalt-terapia compreende que a consciência é um evento focalizado no presente, no aqui-e-agora, isto significa que: para perceber melhor um fenômeno 'dentro' ou 'fora' de mim mesmo, devo estar concentrado em minhas funções de contato, na relação "ser-no-mundo". Este fluxo de consciência é conceituado em Gestalt-terapia como "awareness". Quando tal fluxo é interrompido significa que a consciência deixou de focalizar sua percepção sensorial atual para focalizar também uma fantasia, antecipando o futuro ou lembrando o passado. Tais fantasias são a base dos mecanismos de evitação de contato, que podem ter um funcionamento patológico.

A patologia implica não somente em evitação do contato, mas a qualidade e a funcionalidade desta evitação. Se através de uma dada percepção sensorial vem a minha consciência fantasias e imagens, o contato que estabeleço com estas pode ser extremamente criativo, e pode servir a  elaboração  e assimilação de algo que foi percebido anteriormente.

No jogo entre fantasia e percepção constrói-se o sentido da experiência vivida, quanto mais a fantasia antecipa este sentido, tanto menos a percepção se dá com o fenômeno no presente e sim com as imagens e construções mentais sobre a experiência, bloqueando assim a possibilidade de ir ao encontro da novidade no campo.

O pensamento e a possibilidade de antecipar e planejar podem ser muito funcionais quando organizamos a contabilidade ou planejamos uma aula, mas se nos impedem de modificar, surpreender e criar, então estão a serviço de nossas fantasias neuróticas.

O psicoterapeuta deve combinar de forma "suficientemente boa" percepção no presente e antecipação cuidadosa, planejamento e surpresa, para ser um instrumento de mudanças criativas possibilitando ao cliente a percepção de novas "Gestalten".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GINGER, S E GINGER, A.- GESTALT- UMA TERAPIA DO CONTATO. São Paulo: Summus, 1995.

PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. – GESTALT-TERAPIA. São Paulo: Summus, 1997.