Gestalt-terapia

Ampliando recursos terapêuticos com o uso da voz, da fala e do canto, na Gestalt-terapia

por Hugo Elidio Rodrigues

 

Como o uso da voz, da fala e do canto, podem ser recursos terapêuticos relevantes para a prática clínica na abordagem gestáltica

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A abordagem gestáltica é um método de psicoterapia que tem como principal foco de trabalho o como a pessoa se conscientiza (ou não) sobre sua própria capacidade de estabelecer contato consigo mesmo, com os outros, com o seu mundo e com o tempo. A partir disso, cada situação circunstancial trazida ao trabalho terapêutico permite focalizar como tal situação pode estar ocorrendo, do modo como está ocorrendo. O trabalho psicoterapêutico buscará então evidenciar aspectos estruturais que corroboram para sustentar o que circunstancialmente está ocorrendo, para que a consciência sobre os aspectos estruturais traga mudanças mais profundas, amplas e duradouras.

Um dos aspectos estruturais muito marcantes na personalidade humana – e, entretanto, muitas vezes negligenciada – é a voz, seja pela questão dos ambientes físicos dos locais de atendimentos que são previamente concebidos como lugares de silêncio, ou seja pela simples questão de não reconhecer a voz como potencial terapêutico.

Erving e Miriam Polster são renomados autores da Gestalt-terapia que não só evidenciam a importância da voz, como a enaltecem, considerando-a uma “função de contato” (Polster, E. & M. 2001 - cap. 6).

É muito evidente que pensemos em uma pessoa que, por exemplo, cresceu em um ambiente onde passou por muitos medos, tenha sido muito desprotegida ou desrespeitada, cresça com uma estrutura muscular coerente com isso, como nos mostra o trabalho do psicólogo W. Reich e sua concepção das “couraças musculares”, trabalhada em seu livro “Análise do Caráter” (Reich, 1995, parte 1, capítulo IV, subcapítulo 2).

Um adulto que passou muitos anos de sua vida, em sua fase de crescimento da infância até a adolescência, vivendo situações de medo, talvez tenha uma postura mais cabisbaixa, ombros arcados para dentro, músculos peitorais mais contidos. Desse modo, vemos como a história de cada um contribui para moldar não apenas o caráter, mas também fisicamente o corpo.

Analogamente, isso também acontece com a voz, pois, considerando o mesmo exemplo acima, esse adulto pode ter desenvolvido sua voz expressando-se de forma contida, com voz rebaixada ou infantilizada.

Com esse exemplo simples acima, o principal aspecto demonstrado é que a voz também é submetida ao contexto onde a pessoa vive, recebendo deste contexto elementos que contribuirão, de alguma forma, para a moldagem da maneira como se expressará. Obviamente, o exemplo acima não indica que, uma vez moldada de um jeito, em função da história de cada um, a voz não pode ser mudada. Este trabalho sugere exatamente o oposto. Um corpo curvado, desvitalizado, enfraquecido, pode ser trabalhado para atingir uma postura mais ereta e confortável, tornando-se mais energizado e fortalecido. A voz, igualmente.

Este texto visa então esclarecer como a voz é um importante e potente recurso terapêutico, pois, ao se expressar do jeito que se expressa, carrega uma história de forma concreta, audível e passível de uma descrição fenomenológica, conforme a Gestalt-terapia trabalha. Considerando também que na abordagem gestáltica entendemos o ser humano sob uma perspectiva holística – onde corpo e mente são vistos como uma unidade –, ao lidar com a voz, estamos lidando com todo o organismo. Quando a voz, trabalhada terapeuticamente, passa a se expressar de outra forma, isso só ocorre porque todo o organismo se reestrutura para tornar isso possível. No trabalho terapêutico com a voz –segundo o modelo que, no Brasil é trabalhado pela atriz, cantora e musicoterapeuta Janaína Azevedo (conforme comunicação pessoal), a partir da obra da multiartista, musico terapeuta e filósofa italiana Francesca Della Mônica (conforme resumido na dissertação de mestrado de Ana Hadad, 1979. Ver também site oficial http://verdastrodellamonica.com) –, vários aspectos são contemplados: a potência da voz; a respiração para sustentar a expressão e duração enquanto se fala ou canta; a vocalização das vogais e a simbolização que cada vogal remete em referência a relação da pessoa com seu mundo etc. Sobre a questão das vogais, esclarecendo melhor, segundo Hadad (1979, p. 40):

O primeiro parâmetro discriminatório entre vogais e consoantes é o poder que cada vogal tem de ser essencialmente afinada, ou seja, de soar com precisão em uma determinada altura”.

Somado ao aspecto acima, e conforme Della Monica (apud Hadad, 1979, capítulo 3.6) trabalha baseada na noção arquetípica de Carl G. Jung, quando a voz expressa o som do “a”, esse som simbolicamente remete ao arquétipo do feminino, à energia “yin”. O “ô “ ao contrário, remete à energia masculina, à energia “yang”. O “ê” remete aos relacionamentos, com o lidar com o mundo, ao como a pessoa se dá ou se fecha aos outros. O “i” aos aspectos mais íntimos, pessoais, ao ego, enquanto o “u”, ao contrário, se remete aos aspectos mais universais, energéticos ou espirituais, ao self,  que, sob a visão gestáltica, podemos aproximar da relação da pessoa com o tempo, com o como emprega sua energia criativa para ir criando sua existência.  Quando no trabalho terapêutico com a voz, cada vogal é falada ou cantada, é estimulada simbolicamente um destes aspectos, contribuindo para que a pessoa possa perceber seus recursos ou dificuldades para lidar com cada um deles. Trazendo essa informação para um olhar gestáltico, compreendemos que há um “potencial simbólico da estimulação” e não uma determinação, podendo então o trabalho terapêutico com a voz apontar para outras possibilidades simbólicas diferentes destas previstas por Jung.

Além disso, o aspecto muscular envolvido com a voz também é algo notoriamente beneficiado. Muitas pessoas não reconhecem a voz como algo que pode ser melhor condicionada, como músculos que são tonificados em academias, práticas de esporte etc. A voz que se liberta de confinamentos emocionais históricos, liberta também os músculos que, tensos, causavam o aprisionamento. A energia fisiológica gasta para a manutenção do sistema tenso, reprimido, ou contido, passa ser redirecionada no sentido contrário, agindo para o fortalecimento dos músculos, ampliando o contato da pessoa consigo mesma e ampliando as possibilidades de atingir um nível de saúde melhor. Sobre como esse redirecionamento de energia pode ser compreendido, podemos aqui trazer o importante capítulo do livro “A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da terapia”, com o título “Descascando a cebola” (Perls, 1988, cap. 5), onde Perls nos explica como um comportamento neurótico, uma vez alcançado um potencial de compreensão e atualização, a energia que mantinha tal comportamento é direcionada agora a favor da saúde do indivíduo.

A voz tem todo este potencial para ser trabalhado, e com muitas possibilidades existenciais para além do aspecto terapêutico, como é o caso da possibilidade de, com uma voz mais livre, abrir-se o campo artístico, habilitando a pessoa a se expressar também através não só da fala, mas do canto.

Por todos esses benefícios, toda a atenção que a nossa voz puder receber, será merecida.

Por último, a proposta deste tema visa também ser uma oportunidade do compartilhamento de um testemunho pessoal, pelo autor mesmo ter vivido a experiência de estar trabalhando com a voz e o canto nesses últimos três anos com resultados terapêuticos pessoais de grande relevância.

 

Bibliografia:

Hadad, Ana. “A arqueologia do trabalho vocal proposto por Francesca Della Monica”. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, 2012.

Perls, Frederick Salomon. “A Abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Tradução José Sanz. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1988.

Polsters, Erving & Miriam. “Gestalt-terapia Integrada”. Tradução Sonia Augusto. São Paulo: Summus, 2001.

Reich, Wilhelm “Análise do Caráter”. Tradução M. Lizette Branco e Marina Manuela Percegueiro. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

Contato com a musicoterapeuta, preparadora musical Janaína Azevedo : (21) 99211-2932 (Rio de Janeiro)

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Este artigo deu apoio teórico ao workshop de mesmo nome realizado em novembro de 2022. Após a sua leitura, pedimos a gentileza de acessar este link e preencher um pequeno formulário com seu nome, telefone e e-mail, além do seu interesse nas atividades que oferecemos.